terça-feira, 27 de outubro de 2015

Virgínia Guitzel na Plenária da CSP Conlutas ABC

A prostituição na vida das travestis e mulheres transexuais - Parte I


Virgínia Guitzel

A atenção dada as identidades de gênero não cisnormativas vem ganhando internacionalmente cada vez mais um peso significativo, retomando grandes debates dentro do movimento feminista. No Brasil, a visibilidade conquistada pelo ativismo trans se deu principalmente vinculado aos escandalosos casos de torturas de Verônica Bolina, o assassinado de Laura Vermont que demonstraram a relação permanente de opressão entre o Estado, suas forças armadas e os LGBT. Assim como a agressão sofrida por Viviany, que na 11° Parada LGBT fez uma perfomance crucificada denunciando a perseguição moral e social que sofrem as travestis, mulheres e homens trans.

Nas universidades, ainda que mantenham seu caráter completamente elitistas e construídas contra a presença de setores oprimidos e dos trabalhadores, tem se tornado um espaço onde os debates sobre transsexualidade e as identidades não binárias e não adequadas a cisnormatividade encontram um espaço impar impulsionados por importantes teorias pós-modernas e figuras como Foucalt, Judith Butler e desde o Brasil Berenice Bento, entre outras. É também, um espaço que muitas vezes pela distância da familia e das cidades de origem, propiciam uma liberdade individual e um descobrimento de tais (auto)reflexões que vem garantindo o surgimento do orgulho e da auto-afirmação trans nestes espaços - ainda que a partir deste momento, as próprias chances de permanência destes espaços caem brutalmente ao indice comum as demais pessoas cisgêneras.

Neste primeiro e breve artigo, não daremos conta de abarcar o conjunto da reflexão sobre a prostituição, os debates históricos do feminismo à respeito e tampouco o ponto de vista das próprias mulheres e travestis que vivem cotidianamente desta opressão. No entanto, humildemente oferecemos uma primeira reflexão, que daremos sequência, para abordar um tema fundamental que diz respeito da realidade da esmagadora maioria da população trans brasileira e mundial: a sexualidade comercializada, roubada e mutilada das pessoas trans.

O surgimento da prostituição e suas características na sociedade capitalista

Em cada sociedade, a dominação das mulheres sob os homens – isto é, patriarcado -encontrou formas particulares de favorecer o desenvolvimento das classes sociais determinadas por cada momento histórico. A sociedade capitalista, com seu alto grau de avanço humano, fortaleceu o patriarcado submetendo-o ao aperfeiçoamento da dominação de classe, garantindo que a dominação do gênero feminino não pudesse mais ser desassociada da divisão das fileiras operárias, da manutenção do trabalho doméstico e da profunda submissão como garantia de contenção social.

Ainda que tenha se estabelecido, sob a ordem burguesa, o trabalho assalariado como forma predominante de exploração, a sociedade capitalista pelo seu caráter internacional seguiu a dinâmica do desenvolvimento desigual e combinado, isto é, combinando elementos de profundo avanço frente as demais sociedades passadas sem eliminar completamente seus aspectos mais atrasados ou conservando tais aspectos artificialmente como no caso da prostituição, que carrega consigo a opressão e dominação feminina muito mais antiga do que sistema capitalista.

Ainda que filosoficamente abram-se nas redes sociais, blogs feministas e na acadêmia grandes debates sobre o que significa esta ação de comercialização da atividade sexual e do prazer, não se pode negar que ao longa da história, o gênero feminino teve sua liberdade sexual castrada pela monogamia exclusivista e seu corpo, assim, como sua totalidade, visto e garantido como propriedade masculina. Isto é, a sexualidade então comercializada sempre esteve apenas a serviço do prazer masculino e da perpetuação da “sociedade dos homens” imperante. No capitalismo, encontram-se para além da soberania masculina preservada integralmente, aspectos mantidos superficialmente na contramão do avanço e na superação da humanidade unicamente para garantir a dominação burguesa, como a manutenção da família monogâmica, heteronormativa e cisgenera, instituição garantida apenas para os detentores dos meios de produção, ainda que a ideologia dominante siga sendo a ideologia da classe dominante.

Por outro lado, a profunda crise e repressão sexual sustentada pela completa falta de condições materiais e limitações impostas pelo Estado, a polícia, as leis e a democracia burguesa, combinam com a existência, permanência e necessidade da prostituição. Frente a tamanha miséria sexual, a necessidade da imitação da família tradicional incapaz de satisfazer os desejos sexuais construídos pela humanidade, a ausência de espaços para a juventude se satisfazer sexualmente, a repressão sexual que intimida e mantém milhares dentro dos armários vivendo sob a frágil e instável heternormatividade são apenas elementos que ajudam a entender a sustentação da prostituição como instituição que marca o elo mais tortuoso para milhares de mulheres cis, travestis e, mulheres trans.

Abolir ou legalizar a prostituição sob a ordem capitalista?

Entre o feminismo há historicamente duas tendências fundamentais sobre a prostituição: as abolicionistas e as legalistas. Ambas contraditórias por deixar responsável o Estado por abolir ou " incluir ao capitalismo" essa opressão secular. Mas também utópicas, sendo a primeira uma medida que se se efetiva, significaria de maneira prática virar as costas para milhares de pessoas em profunda condição de vulnerabilidade e miséria sem oferecer uma saída verdadeira para suas angústias. E se "adentram ao capitalismo", não podem esperar mais qualidade de vida ou melhores condições de trabalho, pois a " modernização da prostituição" inspiradas em outros países como Amsterdã  não libertou as mulheres, muito menos, a desvinculou de um papel objeto e inferior à serviço apenas da satisfação de outros, não a si própria.

Sem transformar radicalmente a sociedade contrapondo os interesses da maioria da população trabalhadora contra os interesses vigentes de uma pequena minoria de exploradores, não se pode abolir a familia, a prostituição e a miséria da sexualidade. Não se pode libertar as mulheres, trans e cis, acorrentadas juntamente pela dominação machista. A violência assim como os abusos e estupros decorrentes da prostituição são expressões da forma com que o gênero feminino é tratado na sociedade capitalista, por isso, é preciso questionar ambas estratégias do feminismo que não podem oferecer uma crítica contundente e superadora a democracia burguesa, muitas vezes a embelezando e inaltecendo como a forma mais avançada de organização das sociedades no século XXI, ignorando os dados chocantes do número de mulheres, trans e cis em profunda situação de miséria, o trans-feminicidio, etc.

Única escolha: A marca na vida das travestis e transexuais da prostituição

Contudo, ainda que a prostituição corresponda a dominação do gênero feminino, há importantes diferenças entre a relação desta opressão entre mulheres cis e mulheres trans e travestis. Para além de ser a única e última escolha de sobrevivência de milhares de mulheres, fugidas de suas casas, violentadas, expulsas de casa, levadas pelo tráfico de mulheres e crianças e situações de abandono, para as identidades trans há ainda contornos maiores e mais dependentes.

As limitadas condições de construção da identidade de gênero pelos serviços públicos assim como pela iniciativa individual levam inevitavelmente a conformação de “guetos trans” sociais e culturais que obrigatoriamente se submetem à uma sistema retrogrado das cafetinas pela necessidade de moradia, espaços para realizar os atendimentos, assim como pelas vias do acesso a hormônio, cirurgias e demais procedimentos médicos, ainda que nenhuma destas necessidades são garantidas com segurança e qualidade, sendo uma triste realidade as doenças, dificuldades e efeitos colaterais pela auto-hormonização e a utilização de silicone industrial. Este sistema de opressão não poderia existir sem a conivência do Estado, que reprime e extorque as travestis com suas forças armadas (policia) expressando a sua função de dominação e conservação da sociedade atual na contramão de garantir o avanço e a emancipação do trabalho, da mulher, da sexualidade, da humanidade.

Mas ainda muito além dessas questões, é neste gueto que as pessoas trans encontram seus pares, podendo compartilhar dicas, experiências e vivências, para além de garantir sua proteção contra a violência machista, transfobica e policial. Aqui não se tratam apenas de uma questão econômica – a necessidade objetiva de vender a força de trabalho ou exercer atividades sexuais como forma de sobrevivência – mas também instintiva de sobrevivência social, baseada na reprodução da cultura e dos desejos sociais como a luta contra a solidão trans.

A consequência desta situação para a comunidade trans traz marcas profundas na vida. A objetificação, fetichização e transformação das mulheres trans e travestis em mercadorias, sob a ditadura da beleza e da juventude é uma expressão material da sexualidade como “nossa função social obrigatória”. A desumanização que sofremos pelo misticismo baseado em nossa invisibilidade compulsória e na prostituição como “destino natural” em torno de nossas identidades impede o desenvolvimento afetivo, a constituição de relações amorosas e do reconhecimento e na legitimidade roubada das capacidades e das potencialidades das pessoas trans em diversas funções, reflexões e inclusive na sua própria auto-determinação de seus corpos, mentes e identidades.

A necessária aliança revolucionária entre os oprimidos e a única classe progressista da sociedade: a classe operária

Na democracia burguesa juízes, médicos, deputados, psiquiatras, acadêmicos, a polícia e o Estado querem dominar nossos corpos e nossas mentes. Autorizar e regulamentar nossa sexualidade e nossas identidades à maneira que se adequem a moral dessa sociedade decadente. Para encontrar uma resposta a problemática da prostituição é preciso partindo das bases de sua sustentação, entender sua relação com o trabalho precário, o desemprego e o sistema capitalista.

O capitalismo, apesar de aprofundar cotidianamente o antagonismo entre a burguesia e o proletariado não eliminou as demais classes sociais, pelo contrário, veio as preservando artificialmente para dar base a sua sustentação. O lumpem-proletariado, ou seja, a massa de pessoas alheias ao mercado de trabalho, desprovidas de vender sua força de trabalho (o único direito “garantido” nesta sociedade de exploração) compõem o que chamamos de “exercito de reserva”, ou seja, a massa de desempregados que garante a submissão dos trabalhadores nos postos mais precários e sua defensiva sob os ataques e a retirada de direitos como chantagem barata de sua condição de explorado.

Pela sua pequena influência social, seu local ausente na produção e consequentemente na economia, as prostitutas e as pessoas trans em geral estão à sorte do proletariado e de sua crise de direção para fazer suas angustias e sofrimentos com tal sociedade encontrem força para destruir cada pedaço dessa opressão, erguendo uma nova sociedade com uma nova cultura, novos valores e livre de toda a dominação, opressão e exploração que vivemos. Por isso, senão debatida e tomada pela organização de trabalhadores como os sindicatos e os partidos da esquerda não se poderá encontrar uma saída verdadeira para tal questão. Também não poderá se levantar um movimento verdadeiramente revolucionário senão tomada pelas mãos que tudo produzem as demandas dos que mais oprimidos pela sociedade capitalista garantindo que assim a classe trabalhadora, única classe progressista e capaz de levar as tarefas da revolução até o fim, arraste consigo e atrai aliados na luta por nossa libertação.

Esta condição de lumpem-proletariado também fortalece a desorganização de um real movimento trans que possa expressar suas próprias demandas, prevalecendo os estudos acadêmicos, as teorias pós-modernas e as “problematizações” de gênero sob a realidade e profunda situação de miséria da grande maioria das pessoas trans.

Desde o Pão e Rosas Brasil seguimos a luta por melhores condições de vida das mulheres trabalhadoras, prostitutas e oprimidas. Aprovamos a campanha pela aprovação da Lei João Nery como um direito elementar para a comunidade trans e de enfrentamento ao Estado, que deve reconhecer não apenas a existência das identidades não cisgeneras como também a profunda situação de desigualdade entre as pessoas trans e não, como o machismo, a transfobia, a homofobia e o racismo tão cotidianos e concretos em nossas vidas. Mas reafirmamos em cada uma dessas lutas, a revolução socialista segue como condição para nossa emancipação, para dar a humanidade capacidade e liberdade para construir, na maior plenitude e racionalidade, um novo ser humano, verdadeiramente livre.

Ser trans e a possibilidade de ser candidata nas eleições de 2016

Sempre que digo que sou jornalista do Esquerda Diário, me sinto empoderada para dizer que as travestis tem muito o que falar, apesar da mídia burguesa sempre querer nos retratar ou como vítimas, ou como doentes e criminosas. Quando consegui os laudos médicos para começar o tratamento hormonal escrevi para a Seção Gênero e Sexualidade como me sentia, "uma pequena conquista para quem sonha com a emancipação". Nestes cinco meses, isso só foi se demonstrando cada vez mais verdadeiro. Os hormônios não são nem de perto uma possibilidade de emancipação, mas como uma mínimo, uma sobrevivência para resistir os obstáculos e a permanente perseguição que sofremos por nossa identidade não cisnormativa.

Hoje fui a defensoria pública para dar início ao meu processo de mudança de nome. Como publicamos recentemente, com o PSOL tendo cedido as filiações democráticas, abrimos em nossa organização um debate sobre as candidaturas que lançaremos para dialogar com setores de trabalhadores e oprimidos por uma perspectiva revolucionária para responder a imensa crise política que vive o país lutando com todas as nossas forças para que o questionamento ao PT não fortaleça a velha direita, mas crie mais espaço para as ideias revolucionárias. Entre as candidaturas, estamos debatendo a possibilidade que eu concorra nas próximas eleições, o que novamente colocou em cena a luta pelo direito ao nome a participação das travestis, mulheres e homens trans na vida política.

É certo que a representatividade dos setores oprimidos dentro do parlamento está longe de corresponder as nossas expectativas. E não nos esquecemos, e nem deixamos de dizer, que concorrer as eleições não significa adentrar "a casa do povo", muito menos num Estado "neutro" a ser disputado, mas sim, que entramos num espaço que não é nosso, mas sim o grande balcão de negócios da burguesia, que é utilizado como um instrumento da classe dos patrões contra os oprimidos e os trabalhadores para atuar justamente para fazer esta denúncia e para colocar a pauta dos trabalhadores, das mulheres e da juventude como forma de constratar a política revolucionária aos grandes políticos profissionais que entram na política para enriquecer e desfrutar de privilégios. Mas diferente de pequenos grupos que se contentam em comentar os rumos do país ou fazer coro a intelectualidade petista da "onda conservadora", queremos construir no Brasil uma alternativa de esquerda que não seja mera testemunha dos acontecimentos, mas sim uma verdadeira força social que através da luta de classes abra cada vez mais espaço para que os trabalhadores, as negras, as mulheres e homens trans estejam fazendo politica, não repetindo os exemplo de partidos que se adaptaram a ordem burguesa e optaram por não transformar a força orgânica das massas exploradas em força politica, fazendo pesar suas necessidades frente aos lacaios burgueses, rumando a construção de uma nova sociedade.

Moro num dos maiores concentrações operárias da América Latina, no ABC Paulista, onde a crise do bastião histórico do PT já chega a mais de 84% de reprovação, as centrais sindicais ligadas ao governo como a CUT e a CTB vem rifando os trabalhadores com os acordos como o PPE que nada protege os trabalhadores, mas sim os lucros patronais como viemos denunciando regionalmente. O desemprego para a juventude já superou a media nacional e cada vez mais vem se instaurando na região provocando um efeito dominó nos ramos de serviços e pequenas empresas. As greves que marcaram o começo do ano e se seguiram nas grandes montadoras como Mercedes, Volkswagen e Ford e também em outras fabricas menores só demonstram a força e a disposição dos trabalhadores de defenderem seus empregos e seus direitos. Queremos contribuir para que cada lutador consiga dar um passo da luta sindical para a luta política, assim como cada oprimido possa se sentir representado e ver que mesmo com as tentativas da patronal, da polícia e da burocracia sindical e acadêmica, é possível fazer política de outra forma, a partir da nossa classe. 

Mas diferente do que vejo no movimento LGBT não quero concorrer as eleições pedindo votos "porque sou LGBT", ou porque sou travesti. Para quem participa dos foruns LGBT sabem que ser LGBT não significa inclusive combater a homofobia ou a transfobia - a depender de que letra você é representado. Mas ainda mais que isso, não significa ter uma perspectiva de classe, muito menos dar a importante batalha que viemos travando pela independência política do nosso movimento para lutar verdadeiramente contra o governo e seus aliados como a Igreja Católica e as próprias bancadas fundamentalistas para garantir aprovações de leis como o projeto João Nery, ou Lei da Identidade de Gênero, a criminalização da LGBTfobia (PL 122), entre outras medidas. Quero entrar para a vida política dizendo que as travestis tem muita a falar e a denunciar este Estado que ainda hoje segue sem reconhecer nossa existência, mesmo atingindo o hacking do país onde mais ocorre crimes contra as identidades trans. Mas como concorrer as eleições, se nem meu nome é reconhecido? Se nem minha identidade pode se reafirmada por este Estado? Como garantir que as travestis e transexuais participem da vida política se seguimos com 90% de nossa comunidade na prostituição, impedida de se organizar, de ter voz, de se enfrentar verdadeiramente contra este Estado de coisas ao lado da classe trabalhadora e dos demais oprimidos dessa sociedade?

Se vou ou não me candidatar não dependerá da mudança de nome, muito menos, das tentativas incessantes de que abandonemos esta batalha pela construção de uma alternativa classista e revolucionária para responder a crise política e econômica que chegamos no Brasil. Não quero ver o Brasil repetir os erros da Grécia ou da Espanha com "novos partidos" que no fundo fazem a mesma velha tentativa de mudar as coisas por dentro desse sistema podre, sem confiar nos trabalhadores e nos oprimidos para se enfrentar com nossos inimigos. Chega! É preciso de uma política revolucionária, de um mandato dos trabalhadores para denunciar e poder cobrir e aportar verdadeiramente para as lutas operárias e dos oprimidos! É preciso de parlamentares que ganhem como professores e não queiram enriquecer com a política, mas sim, lutar verdadeiramente pela dissolução desse Estado e por um governo dos trabalhadores. Somente assim, é que nós travestis e qualquer trabalhadora e qualquer oprimido poderá participar verdadeiramente da grande política. Não queremos opinar apenas sobre os projetos assistencialistas que, no fundo, alimentam apenas ilusões de um problema estrutural que nos tira a vida, a esperança e muitas vezes a própria perspectiva de mudança. 

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Virginia Guitzel defende a independência política do Movimento LGBT frente a crise política no Brasil

I Festival de Diversidades do ABC

Virginia Guitzel defende a independência política do Movimento LGBT frente a crise política no Brasil

Nesta segunda feira (28), começou o I Festival de Diversidades do ABC organizado pelo coletivo LGBT PRISMA UFABC. Com mais de 40 estudantes, os palestrantes discutiram os desafios do Movimento LGBT frente o conservadorismo e a profunda crise política e econômica que se encontra o país.

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Com um debate caloroso entre os palestrantes e o público sobre o papel do PT na implementação dos ajustes ficais, Virgínia Guitzel desafiou a vereadora de Santo André e o pró Reitor de políticas afirmativas a demonstrar o progressismo do PT que em doze anos do governo aprofundou o trabalho precário, retrocedeu nos diretos das mulheres como no direto ao aborto e não conquistou uma lei sequer em defesa da população LGBT. Em defesa da independência política do Movimento LGBT se enfrentou com ambos que tentaram desfazer as críticas políticas utilizando de baixos debates morais sobre a juventude da travesti e chamando a de "idealista".
Abaixo reproduzimos a fala de Virgínia Guitzel da mesa de abertura cujo tema era “Desafios da Comunidade LGBT: Direitos, Conservadorismo e Homo-lesbo-bi-transfobia”.
“Para dar início, parece-me importante remarcar que adentramos ao oitavo ano de uma crise capitalista mundial comparada somente a crise dos anos 30, que começa agora a ter mais peso em nosso país. As eleições do ano passado expressaram por um lado a crise histórica que o Partido dos Trabalhadores se encontra, expressão da experiência dos últimos 12 anos onde muito pelo contrário de significar um governo dos trabalhadores ou um governo das mulheres com a chegada de Dilma, se manteve aliado ao grande capital, sendo parte ativa de incentivar a bancada evangélica a conquistar o enorme espaço político que hoje tem, que se expressa na retirada do debate de gênero e sexualidade em várias cidades por todo o país assim como a recente aprovação do reacionário Estatuto da Família.
O Brasil, como muitos sabem, é o país que mais mata LGBT no mundo. A cada 28 horas um homossexual é assassinado e 4 de cada 5 crimes transfóbicos que ocorrem no mundo, acontecem no Brasil. É sob um Estado que não reconhece nossa identidade de gênero que passamos profundas humilhações.
Por esses motivos que não é possível lutar por nossa emancipação ao lado deste governo que hoje claramente ataca os trabalhadores com as MPs, com a proposta da Agenda Brasil e tantos outros planos de ajuste que vem preparando. Porém não é verdade que quem não está com o governo está ao lado de Aécio, do PMDB ou de outras oposições burguesa. Por isso mais que nunca é preciso construir hoje uma alternativa independente dos trabalhadores e setores oprimidos.
Uma grande falácia falar de "golpe de direita" quando a direita é parte hoje do governo e de suas alianças, que dão base para sua sustentação. Muito longe de um golpe da direita está uma grande unidade burguesa pela efetivação da política de ajustes e um preparo para uma maior onda de exploração e miséria para as massas trabalhadoras.
Essa conjuntura tão dinâmica coloca a prova as estratégias no interior do nossos próprios movimentos: feministas, negro e LGBT. E colocam para os ativistas e para os oprimidos que sofrem cotidianamente com o sistema capitalista a ter de buscar novas perspectivas para fazer valer nossos sonhos e nossas angustias e assim colocar um basta ao genocídio que sofremos e as pequenas e já naturalizadas formas de opressão em todos os aspectos da vida, seja no âmbito da educação, seja no mercado de trabalho ou ainda na vida amorosa. Para isso é preciso recorrer a história, que tanto nos é negada, para que sejamos hoje um fio de continuidade dessas ideias, partindo dos erros e acertos destes movimentos para colocar de pé um verdadeiro movimento revolucionário que questione tudo e arranque nossos direitos rumo a nossa completa emancipação.
O surgimento do movimento pela libertação sexual é amplamente reconhecido pela revolta de StoneWall em 1969, quando as travestis negras foram de linha de frente junto as mulheres lésbicas e homens gay num enfrentamento de 3 dias e 3 noites contra a polícia que constantemente. O nascimento da identidade orgulhosa e do revide dos oprimidos deu, um ano depois, no surgimento da I Parada LGBT do mundo. Já no que ficou conhecido como Maio Francês em 1968 milhares de estudantes protagonizaram junto a outros milhares de trabalhadores um forte ascenso revolucionário, onde se questionava não apenas os problemas econômicos, mas também as profundas mazelas do capitalismo da opressão e da miséria da sexualidade. É frente um movimento internacional de questionamento a ordem capitalista que importantes organizações surgiram em todo, como foi o caso da FHAR (Frente Homossexual de Ação Revolucionária) na França e o grupo SOMOS no Brasil, primeiro grupo homossexual assumido pelos direitos da população LGBT.
A ousadia desses movimentos se dava em não apenas lutar pela inclusão dos LGBT na ordem capitalista ou no que hoje se tornou tão comum na defesa da "ampliação de cidadânia", mas de ter uma visão muito clara de que os trabalhadores são a única classe progressista nesta sociedade e por isso é ao lado deles que era preciso estar para poder lutar verdadeiramente pela libertação dos corpos e das identidades rumo a uma sociedade sem classes e sem opressão.
Porém os anos 90 tiveram um peso decisivo na história do movimento pela libertação sexual. Em primeiro lugar pelas derrotadas históricas impostas pelo stalinismo e toda a burocracia soviética contra os trabalhadores resultando na restauração capitalista na União Soviética e no leste Europeu, o que permitiu a falsa ideologia "de que o capitalismo venceu" tão propagandeada pela burguesia. É neste momento particular onde os movimentos sociais se divorciam da classe operária, este primeiro perdendo seu horizonte anticapitalista emancipador e o segundo, por responsabilidade de suas direções, se reduzem as lutas salariais e por melhores condições de vida, sem permitir dar vazão a força revolucionário dos que produzem o mundo e podem subvertê-lo com sua luta.
Combinado a esta profunda mudança mundial, o surgimento da AIDS completamente propagandeado como "câncer gay" obrigou os movimentos a se reorganizarem para garantir a sua sobrevivência. O surgimento das ONGS e das políticas assistencialistas dão um novo conteúdo para o movimento que junto ao neoliberalismo vai ganhando cada vez mais uma visão identitária e pós-moderna, alheia a luta de classes e as reflexões sobre a estratégia e a necessidade da superação do capitalismo.
E, hoje, o nosso atual movimento LGBT é produto destas derrotas históricas onde a luta pela libertação sexual e pela identidade de gênero não está mais associada diretamente a um enfrentamento anticapitalista.
Se o capitalismo não é capaz de resolver as mazelas que ele mesmo criou, então que morra”