quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

As identidades trans e a universidade de classe

Texto escrito para o Manual da Calourada da Unesp de Botucatu.

Desde o atrasado surgimento das universidades no Brasil, como centro de excelência cientifica, da pesquisa e do desenvolvimento intelectual, a ciência e a produção intelectual esteve à serviço das elites para justificar e avançar no seu projeto de país baseado na exploração da maioria da população e as opressões a diversos grupos sociais. Até hoje, a universidade, produtora de ideologia, mantém seu caráter de classe (burguês) à serviço da manutenção da ordem vigente.

Mesmo a falácia da "democratização do ensino" promovida pelo governo do PT com muito incentivo e financiamento aos monopólios do ensino privado, ainda hoje, as universidades não são um direito para a maioria do população, seguem elitistas, excludente aos negros e a população LGBT. As dificuldades para se chegar a universidade não começam pelo filtro social chamado de vestibular, mas começa desde a educação básica somada a profunda desigualdade social existente em nosso país.

Nós, travestis, mulheres transsexuais, homens trans e transgêneros não-binários encontramos uma profunda dificuldade a concluir o ensino fundamental e médio pela discriminação que está nos livros didáticos, na ausência de aulas sobre gênero e sexualidade e no desrespeito ao nome social. Recentemente foi noticiado que a partir de fevereiro se expandiu o direito ao nome social também ao alunos secundaristas, entretanto desconsidera a maioria dos casos, onde a família se nega a autorizar a nossa livre construção da identidade de gênero, deixando mais uma vez nós à refém de outros para decidirmos sobre nossos corpos, nomes e identidades. É a discriminação dentro de casas, outro dos principais fatores que contribuem para que sigamos na margem dos direitos mais elementares, como a moradia, a saúde e a educação.

A aqueles que superam essas dificuldades, nos deparamos depois com o anti-democrático vestibular, que decide de maneira meritocrática aqueles que receberam o direito a educação superior e aqueles que não terão vez. Pelas profundas humilhações, agressões e condição de vulnerabilidade são verdadeiras raridades aqueles que conseguem furar esse filtro e alcançar o prestígio de entrar numa universidade pública. Mas aí, diferente das coisas melhorarem, são novas barreiras que temos que enfrentar.

Para além da luta pelo nome social nas listas de chamada, na carteirinha e em todos os espaços evitando o constrangimento e a discriminação, temos um enfrentamento direto com a academia que desconsidera cientificamente nossas identidades, excluindo pensadores e autores que debatem esta temática, não incorporando a luta que protagonizamos desde as barridas de StoneWall nos Estados Unidos e o profundo movimento pela liberação sexual surgido nas ruas do "Maio Francês de 1968". É contra o ensino dogmático a serviço de reproduzir a ideologia dominante, que busca perpetuar as opressões e justificar a sociedade de classes que nossa existência se choca. É então dessa maneira que somos instintivamente convidadas ao movimento estudantil.

É então, uma porta para nossa libertação e também mais algumas batalhas que demos que dar. É primeiramente necessário lutar pela unidade dos oprimidos e do movimento estudantil contra toda forma de opressão, impedindo que haja feminismos transfóbicos ou qualquer tipo de discriminação entre os lutadores. E lutar efetivamente para acabar com os filtros sociais do vestibular que mantém a imensa maioria da população para fora da produção do conhecido. E que este conhecimento esteja a serviço de responder aos problemas da população de conjunto. Nós TRANS* seguimos com a perspectiva de 35 anos, seguimos com nossas identidades associadas à doenças mentais, seguimos tendo de construir nossa identidade de gênero sem acompanhamento médico e utilizando de silicone industrial (100% letal a saúde humana) e assassinadas, mutiladas e desfiguradas por crimes de ódio. As universidades se respaldam no Estado que não reconhece nossa identidade de gênero e segue contrário a criminalizar a transfobia e garantir nossa existência. Por isso, é tarefa do conjunto do movimento estudantil, dos coletivos de combate as opressões e dos partidos de esquerda lutar para que pelo conhecimento em prol dos oprimidos e dos trabalhadores. 

Basta de universidade de classe! Basta de ensino para a opressão e exploração! Por uma universidade à serviço dos trabalhadores, dos oprimidos e da diversidade.

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